Garantir a alfabetização das crianças nos primeiros anos do ensino fundamental é um dos principais objetivos da educação pública, previsto inclusive em uma das metas do Plano Nacional de Educação, aprovado em 2014. O desafio que já envolvia tarefas como formação de professores e recursos ficou ainda maior após a pandemia de Covid-19, que deixou reflexos na aprendizagem dos alunos em anos iniciais nos períodos de restrição de atividades e ensino exclusivamente remoto.
A situação levou o governo federal a lançar em junho deste ano o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. O pacto tem como metas principais garantir que 100% das crianças brasileiras estejam alfabetizadas ao fim do 2º ano do ensino fundamental e recompor a aprendizagem de alfabetização às crianças matriculadas no 3º, 4º e 5º ano, para recuperar o impacto da pandemia.
A iniciativa teve adesão de todos os estados e pretende fazer com que a União subsidie ações concretas dos estados, municípios e do Distrito Federal para a alfabetização das crianças. Entre as medidas que devem ter apoio da União estão formação de professores e gestores e oferta de material didático para alfabetização e práticas de leitura.
O investimento federal é estimado em até R$ 2 bilhões em quatro anos. O pacto previa que estados e municípios que aderiram à iniciativa publicassem em até três meses após o lançamento políticas locais de alfabetização, definidas em forma de leis ou normas estaduais e municipais.
Santa Catarina é um dos estados que ainda não elaborou a própria política estadual de aprendizagem, segundo levantamento de agosto do Ministério da Educação (MEC). Também estão nesta situação o Distrito Federal e oito estados: Amazonas, Bahia, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, São Paulo e Tocantins.
Pelo acordo, os municípios também precisam elaborar políticas municipais de alfabetização. Nesse caso, dos 274 municípios que aderiram ao compromisso, apenas 29% haviam informado possuir leis ou normas próprias sobre alfabetização segundo o levantamento de agosto do MEC, o que equivale a cerca de 80 cidades.
Os documentos podem parecer protocolares, mas são responsáveis por definir na prática quais as metas que cada localidade pretende alcançar e as estratégias a serem adotadas.
O coordenador estadual da União dos Conselhos Municipais de Educação de Santa Catarina (UNCME-SC), Claudio Luiz Orço, explica que a aprovação da política local de alfabetização cabe ao Executivo e ao Legislativo — no caso estadual, o governo de SC e a Assembleia Legislativa —, e que os conselhos de educação apresentam em seguida uma normatização, com as estratégias a serem adotadas para alcançar os objetivos definidos na política pública.
— Não é apenas uma política, uma lei, mas sim um compromisso da sociedade para melhorar esse processo de alfabetização como um todo — afirma.
A analista de Políticas Educacionais do movimento Todos Pela Educação, Natália Fregonesi, considera uma premissa importante do programa a previsão de que cada estado elabore a própria política.
— Um grande acerto foi justamente o de trazer estados e municípios como protagonistas desse programa. Não é programa centralizador em que o MEC vai definir as ações que vão ser implementadas. O Compromisso prevê apoio financeiro e técnico do MEC, mas os estados devem criar suas próprias políticas, o que é importante porque cada local tem sua especificidade, sua realidade, seus desafios — avalia.
Estado prepara política local
A Secretaria de Estado da Educação afirma que vem se mobilizando para a criação da Política Estadual de Alfabetização, exigência do programa. Um cronograma divulgado a entidades nesta semana estabelece três encontros com representantes dos municípios para elaborar o documento.
A primeira das três agendas ocorre nesta segunda (13) e terça-feira (14), em Fraiburgo, no Meio-Oeste de SC. Os próximos seminários vão ser feitos em 6 e 7 de dezembro, na mesma cidade, e em 18 de dezembro, de forma virtual.
Outras atividades ao longo deste período também estão previstas. SC teve o melhor desempenho do país nos anos iniciais do ensino fundamental, etapa de alfabetização dos alunos, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2021, com avaliação de 6,5.
A secretária-adjunta de Estado da Educação, Patrícia Lueders, defende que SC é um dos únicos estados que já possui um currículo do território local feito em conjunto com os municípios, que já traz os conteúdos mínimos que precisam ser abordados nesta fase de ensino.
A política estadual, no entanto, deve ser mais ampla e mostrar como atingir os objetivos. Patrícia afirma que os encontros de novembro e dezembro terão a presença de professores que se destacaram na alfabetização em sala de aula nas regiões catarinenses.
A ideia é que eles, com conhecimento da realidade diária com os alunos, ajudem a construir a política estadual. O principal desafio apontado por ela é a recomposição do conteúdo para alunos que possam ter sofrido impacto do período de pandemia:
— A gente está bem, mas é o momento de olhar para o estudante que enfrentou a pandemia, foi para o 4º ano, 5º ano, e entender o que vamos fazer. E o principal: pensar a alfabetização não apenas enquanto decodificação de letras, mas enquanto letramento, compreensão da escrita, interpretação. Hoje muitos são alfabetizados, mas não são letrados. Conseguem ler, mas não conseguem interpretar, que é a maior dificuldade.
Fontes ouvidas pela reportagem indicaram que a criação da política estadual é o primeiro passo para a elaboração desses documentos no âmbito local.
— Como efeito da política estadual, isso vai, no bom sentido, contagiar todos os municípios para que essa política seja feita também no nível local. Foi assim na BNCC (Base Nacional Comum Curricular, documento com diretrizes da educação). Muitos simplesmente aderiram à estadual, outros fizeram uma própria com ajustes no seu município — afirma o presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação de SC (Undime-SC), Alex Tardetti.
Segundo a coordenação responsável pela implantação do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada da Undime/SC, os municípios de SC já puderam selecionar formações desejadas para integrar os planos locais, com temas como educação infantil, alfabetização ou recomposição das aprendizagens. Atualmente, as cidades estão na fase de adesão de escolas ao programa “Cantinho da Leitura”.
Fonte: NSC