A Amazônia registrou recorde de queimadas este ano: de janeiro até julho, já são mais de 59 mil focos de incêndio, maior número desde 2008, e que ainda pode aumentar. A fumaça produzida pelas chamas subiu para a atmosfera e percorreu mais de 3 mil quilômetros, impactando a qualidade do ar até em Santa Catarina na última semana.
Não é só em Santa Catarina, no entanto. O corredor de fumaça chegou ao Rio Grande do Sul, impactando um total de 10 estados brasileiros: além do território gaúcho e catarinense, os estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Acre, Rondônia, o Oeste do Paraná, partes de Minas Gerais e de São Paulo, assim como o Amazonas, foram atingidos.
Mas, afinal, como algo que ocorre do outro lado do país pode impactar a respiração de quem mora em Santa Catarina?
Segundo a meteorologista Nicolle Reis, da Defesa Civil catarinense, a atuação de um corredor de vento de Norte para Sul ajuda a trazer a fumaça para Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. Como agosto é normalmente um mês mais seco no Estado, as condições são mais favoráveis para que os poluentes sejam trazidos.
Piora na qualidade do ar
Além disso, não são só as queimadas. A piora na qualidade do ar é um fenômeno que acontece há anos, mas que, com a fumaça, fica potencializada. Por isso, além de sentir um pouco mais de dificuldade para respirar, ou ter mais chances de doenças cardiorrespiratórias, é possível sentir o ar ficando pior.
É o que explica Leonardo Hoinaski, engenheiro sanitarista e ambiental, e coordenador do Laboratório de Controle da Qualidade do Ar (LCQAr) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Segundo ele, ainda não é possível precisar o quanto a fumaça das queimadas impacta na qualidade do ar, já que estudos mais aprofundados são necessários para isso.
De acordo com o Ministério da Saúde, estudos mostram relação entre a exposição a poluentes atmosféricos (desde o monóxido de carbono que sai dos escapamentos dos carros até a fumaça das queimadas) e os problemas causados por doenças respiratórias (como asma, bronquite, e até câncer de pulmão) e cardiovasculares. Crianças, idosos e quem já apresenta problemas respiratórios são mais vulneráveis a isso.
Se não são apenas as queimadas que prejudicam a qualidade do ar, por que elas chamam tanta atenção? Além de representarem um problema ambiental, a fumaça é visível. Basta olhar para o céu de Florianópolis: no último sábado (17), e na quinta-feira (22), mesmo quando o sol brilhava, o céu tinha um tom apagado de azul.
— Ao longo do ano é muito possível que aconteçam diversos eventos de má qualidade do ar. Esse evento em específico chamou a atenção por conta das queimadas e também pela perda de visibilidade. Mas, em muitas situações, a qualidade do ar é ruim mesmo quando a visibilidade é boa — esclarece Hoinaski.
A fumaça chega ao Sul do Brasil graças a correntes de vento, que transportam a fumaça. Desde o dia 17, a visibilidade ficou mais prejudicada, o que motivou, inclusive, um alerta da Defesa Civil de Santa Catarina. A recomendação é de beber bastante água, evitar atividades físicas intensas ao ar livre e ficar atento a sintomas de irritação respiratória.
Já nesta quinta-feira (22), a chegada de uma frente fria avançando por Santa Catarina ajudou a empurrar a fumaça “para cima” no mapa. A condição se afasta no domingo (25), mas mesmo assim a circulação de vento permanece oposta, de Sul, fazendo com que a fumaça fique na área mais ao Norte do país, conforme explica a meteorologista Nicolle Reis.
Com o fim do inverno se aproximando, a umidade do ar volta a subir, o que não favorece mais a aparição do “corredor de fumaça”.
Monitoramento da qualidade do ar
Santa Catarina tem três estações de monitoramento do ar, em Tubarão e em Capivari de Baixo. Outra estação ainda deve ser instalada em Florianópolis. A ideia é ampliar a rede de monitoramento, com esforços do governo estadual, por meio do Instituto do Meio Ambiente (IMA).
Nesta quinta-feira (22), a estação São Bernardo, em Tubarão, Sul do Estado, apresentava um Índice de Qualidade do Ar (IQAr) de 61, o que classifica a qualidade do ar como moderada. Nestas condições, a orientação é que os grupos mais sensíveis reduzam atividades físicas prolongadas ou intensas ao ar livre.
Nas demais estações de Santa Catarina (Vila Moema, também em Tubarão, e em Capivari de Baixo), a qualidade do ar é classificada como boa.
Alguns fatores podem colaborar para isso: além do vento, que transporta os poluentes, a hora do dia pode influenciar a qualidade do ar, assim como condições atmosféricas. Por exemplo, quando há pouco vento, em períodos de mais estagnação, os poluentes que já estão na atmosfera não se dispersam tanto e a concentração aumenta ao nível do solo.
Para melhorar a qualidade do ar e reduzir os danos que podem ocorrer quando ela está ruim, é preciso controlar a emissão de poluentes: reduzir queimadas e emissões veiculares (melhorando a mobilidade, com o transporte público, por exemplo).
A expectativa é que, neste final de semana, os impactos da fumaça no ar deem uma trégua, mas enquanto houver queimadas, poderá ter fumaça.
SC quer ampliar rede de monitoramento do ar
O IMA e a UFSC fizeram um Acordo de Cooperação Técnica para ampliar a rede de monitoramento da qualidade do ar em Santa Catarina. A ideia é implantar um novo radar em Florianópolis. A unidade deve ser móvel e instalada já em outubro deste ano, ao lada da Biblioteca Universitária, no Campus Trindade.
Três poluentes atmosféricos e outros meteorológicos devem ser monitorados em tempo real. Com isso, uma lacuna em uma das áreas mais populosas do Estado será coberta.
— A região metropolitana de Florianópolis possui mais de um milhão de habitantes e, até o momento, carece de monitoramento de referência de qualidade do ar. Esta nova estação permitirá avaliarmos a qualidade do ar respirado por cerca de 15% da população catarinense — afirma Diego Hemkemeier Silva, diretor de Controle e Passivos Ambientais do IMA.