A RFI se uniu ao consórcio internacional de investigação Forbidden Stories para continuar o trabalho de Rafael Moreno, jornalista colombiano morto em 16 de outubro de 2022 em circunstâncias ainda não esclarecidas. O repórter investigava o impacto da indústria de mineração no meio ambiente e na saúde dos moradores de Córdoba, sua região natal. A justiça colombiana havia obrigado o operador da mina de níquel Cerro Matoso a limitar seus efeitos nocivos de sua ação na população, sem muito sucesso. Até hoje, nas aldeias vizinhas, os estragos provocados pela atividade de mineração são palpáveis.

Na estrada que leva a Pueblo Flecha, a natureza oferece sua mais bela imagem. As colinas verdes e a vegetação exuberante dão um gostinho de Paramillo, uma das maiores áreas naturais protegidas da Colômbia.

Mas o cheiro de metal que paira indica que essa imagem não corresponde à realidade. Logo, surge ao longe, o “cerro”, uma colina de onde, há 60 anos, é extraído níquel. É também o território ancestral dos zenú, uma minoria étnica, que há anos luta na justiça pelo reconhecimento dos danos ambientais e sanitários causados ​​pela atividade da Cerro Matoso S.A., a operadora que administra a mina.

Quando seus enormes fornos processam o minério a quase 900°C, são lançadas na atmosfera emissões compostas por uma mistura de poeira fina, metais pesados ​​e diversos óxidos complexos.

Em 2017, o ministério colombiano do Meio Ambiente alertou para a a presença de colunas de fumaça rosa escapando “descontroladamente” das chaminés do complexo. Em 2019, o jornalista Rafael Moreno filmava a fumaça da cidade de Montelíbano. O grupo mineiro reagiu com um comunicado de imprensa no qual acusava o jornalista de estar mostrando imagens antigas. Alguns dias depois, o repórter voltou a filmar o local e o resultado foi o mesmo: a fumaça rosa continuava emanando da mina.

Além dos estragos ambientais, o impacto na saúde da população chama a atenção. Principalmente para os moradores de Pueblo Flecha, uma comunidade que vive a menos de um quilômetro dessa que é a maior mina de níquel da América. Quando seus fornos gigantes processam o minério em temperaturas muito altas, são lançadas na atmosfera emissões formadas por misturas de poeira fina, metais pesados ​​e diversos óxidos complexos. Questionado sobre este ponto pelo consórcio Forbidden Stories, o diretor de operações de minas, Pedro Oviedo, afirma que trata-se de uma “falha no sistema, uma exceção”.

No entanto, desde o surgimento dos fornos e chaminés gigantes da mina no início dos anos 1980, a atmosfera nunca mais foi mesma em Pueblo Flecha. “Quando a água transborda aqui, eu entro em pânico”, desabafa Aïda. “Tenho medo pelo meu filho, mas também por mim, que tenho 45 anos. [Essa água] dá coceira, febre e enxaqueca às vezes”, continua.

Câncer do pulmão e jovens que perdem a visão sem razão aparente

Não há água potável em Pueblo Flecha. A população se abastece em cisternas que coletam a água da chuva. A empresa construiu canais ao longo dos anos para coletar água de nascentes vizinhas, essencial para seu processo de produção de ferroníquel. “A pouca água do poço que conseguimos extrair no inverno é escura e não potável”, denuncia Luis Fernando, chefe da aldeia.

Para ele, não há dúvidas: foi a toxicidade desta água, carregada de resíduos, que levou sua mãe, Francia, morta há apenas duas semanas.

“Ela faleceu, como muitos antes dela, de câncer de pulmão. É por causa da água que usamos, do ar que respiramos”, esbraveja o jovem.

O câncer de pulmão é uma das doenças recorrentes observadas na região, com indica um relatório médico-legal encomendado pelo Tribunal Constitucional da Colômbia.

Em 2017, em um julgamento histórico e após anos de luta, as comunidades indígenas do vale obtiveram a condenação da gigante mineradora. O grupo conseguiu impedir o pagamento de indenizações, mas algumas medidas foram tomadas. Desde o processo, as oito comunidades indígenas e afrocolombianas que vivem nos arredores da mina devem ser consultadas antes de cada projeto. Além disso, a empresa foi obrigada a implementar medidas de preservação da água, do ar e do solo, além de se responsabilizar pela saúde das vítimas da poluição.

No entanto, pouca coisa parece ter mudado. Apesar alguns moradores receberam um tratamento pago pela empresa, enquanto os que foram atendidos por médicos enviados pelo gigante da mineração denunciam o descaso dos profissionais, que minimizavam os problemas de saúde da população.

Durante sua estadia em Pueblo Flecha, a reportagem do G1 encontrou vários jovens e adolescentes com malformação de membros, ou que perderam a visão, sem nenhuma causa aparente. Segundo um dos líderes da comunidade, Rafael Moreno estava preparando um documentário para denunciar a situação sanitária e seus estragos.

Muitos dos 640 moradores de Pueblo Flecha não têm dinheiro para viajar até a cidade para consultar um médico. Mesmo a clínica do complexo mineiro próximo é inacessível. As pessoas vivem da agricultura e em particular do cultivo da mandioca e do milho, mas também da “caña flecha”, a planta comprida que entra na composição do chapéu “vueltao”, símbolo nacional. Por falta de recursos financeiros, a comunidade introduziu o feixe de cana como forma de troca, por fumo, uma galinha ou um serviço.

Para piorar a situação, o Caño Zaino, um rio que era a principal fonte de água da comunidade também começou secar. “Era uma água pura. A gente bebia diretamente na fonte. Agora, não tem mais nada”, reclama Don Ever, um agricultor da região.

Contatada pelo consórcio de investigação, a Cerro Matoso S.A. garante que a Agência Nacional de Licenciamento Ambiental aprovou um plano de restauração que deve ser implementado, em conjunto com as comunidades. “Mentira”, retruca o chefe da Pueblo Flecha: a empresa “recrutou empresas e universidades sem nos consultar e por isso rejeitamos esse plano”, explica Luis Fernando Romero. Sinal da desconfiança que reina entre os dois “vizinhos”, o cacique indígena garante que a comunidade está trabalhando em seu próprio plano de recuperação de Caño Zaino.

Fonte: G1

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