O mundo está distante de atingir a meta global de reduzir o consumo de sódio em 30% até 2025. Os dados são de um relatório inédito da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o consumo de sal. Embora seja um nutriente essencial, o sódio, quando ingerido em excesso, aumenta o risco de doenças cardíacas como o acidente vascular cerebral (AVC), pressão alta e morte prematura. A principal fonte de sódio é o sal de cozinha (cloreto de sódio), mas outros temperos, como o glutamato de sódio, também contêm sódio.

O relatório da OMS revela que apenas 5% dos países possuem políticas de redução de sódio obrigatórias e abrangentes e que 73% não implementam totalmente tais políticas.

A associação entre o sal e a pressão arterial é alvo de estudos há mais de um século. No entanto, são escassas as respostas para a associação entre o alto consumo de sal e alterações no sistema nervoso central (SNC), que contribuem para a chamada hipertensão neurogênica.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) obtiveram avanços na compreensão desse processo. Estudos revelaram que parte do sal consumido em excesso fica retida no líquido cerebroespinal – chamado líquor. Os achados sugerem um possível mecanismo que desencadeia a doença e que envolve a ativação não somente de neurônios, mas também de outras células da glia, um outro tipo de célula presente no sistema nervoso.

A pesquisa abre caminhos para o entendimento mecanismos e conexões entre células neurais envolvidos na formação da hipertensão associada ao alto consumo de sal. Os resultados foram publicados nas revistas científicas Molecular and Cellular Neuroscience e Experimental Physiology.

Detalhes do estudo

No ensaio, foram utilizados ratos albinos que foram alimentados com excesso de sal. Os animais receberam uma solução de água com 2% de cloreto de sódio por uma semana e desenvolveram hipertensão. Além do aumento da pressão arterial sanguínea, o que chamou atenção dos pesquisadores foi que o nível de sódio no sangue dos animais se manteve normal, porém, notaram um acúmulo deste íon no cérebro, mais precisamente no líquor, líquido que protege o sistema nervoso central.

“Os animais expostos ao alto consumo de sal apresentaram hipertensão e acúmulo de sódio no líquor, mas não no sangue. Dessa forma, podemos presumir que a gênese da hipertensão envolve um componente neural, a qual pode estar relacionada a esse excesso de sódio retido no líquor”, afirma Paula Magalhães Gomes, pós-doutoranda do Laboratório de Controle Neural da Circulação (LCNC) do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), primeira autora de um dos artigos, em comunicado.

“Em teoria, o sódio que consumimos nos alimentos se distribui de forma equilibrada nos diferentes compartimentos do nosso corpo, num processo que denominamos na fisiologia de osmorregulação, mas aparentemente não é assim que acontece quando o organismo é desafiado ao consumo excessivo de sal. Nosso objetivo futuro é investigar mais a fundo os mecanismos fisiológicos por trás do acúmulo de sódio no líquor e sua relação com a hipertensão”, acrescenta.

Entenda o processo

Estudos anteriores já mostraram o envolvimento do hipotálamo, uma região do cérebro, no desenvolvimento da hipertensão dependente do alto consumo de sal. As células neurais deste núcleo, principalmente os neurônios, participam direta e indiretamente na regulação da pressão arterial em resposta a um aumento de sódio circulante no organismo.

Os pesquisadores buscaram então investigar o envolvimento das células neurais da glia neste processo. Os especialistas observaram que os astrócitos, que são uma das células mais abundantes do sistema nervoso central, se mostraram mais ativados no cérebro de animais que foram expostos ao alto consumo de sal.

“De maneira geral, os astrócitos são células que, além de dar sustentação para os neurônios, também são responsáveis por liberar diversos neurotransmissores, dentre eles o ATP [trifosfato de adenosina], uma molécula que classicamente sempre foi conhecida pela sua função no metabolismo energético celular, mas que também atua como neurotransmissor. Frente a uma condição de alto consumo de sal, os astrócitos são ativados de forma intensa”, explica Renato Willian Martins de Sá, doutor pelo LCNC, bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Estudos apontam que o acúmulo de sódio no líquor pode estar relacionado ao desenvolvimento de doenças não somente do sistema cardiovascular, mas também neurodegenerativas, dentre elas a doença de Alzheimer, tendo em vista que o excesso de sal no cérebro pode alterar as funções das células neurais, desde sua maquinaria gênica e proteica até neuroquímica.

“A compreensão desses mecanismos poderá auxiliar no desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas farmacológicas para doenças associadas ao alto consumo de sal”, afirma o professor Vagner Roberto Antunes, coordenador do laboratório, em comunicado.

Mudanças podem salvar vidas

A OMS recomenda que o consumo diário de sal não ultrapasse os 5 gramas, com o objetivo de reduzir a hipertensão e outras doenças cardiovasculares.

A implementação de políticas de redução de sódio, altamente econômicas, poderia salvar cerca de 7 milhões de vidas em todo o mundo até 2030. É um componente importante das medidas para atingir a meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável de reduzir as mortes por doenças não transmissíveis.

Atualmente, apenas nove países (Brasil, Chile, República Tcheca, Lituânia, Malásia, México, Arábia Saudita, Espanha, Uruguai) têm um conjunto abrangente de políticas recomendadas para reduzir a ingestão de sódio.

“Dietas pouco saudáveis ​​estão entre as principais causas de doenças e mortes em todo o mundo e a ingestão excessiva de sódio é um dos principais responsáveis”, disse Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS.

“Este relatório mostra que a maioria dos países ainda não adotou nenhuma política obrigatória de redução de sódio, deixando sua população em risco de ataque cardíaco, derrame e outros problemas de saúde. A OMS pede a todos os países que implementem os “Melhores Investimentos” para redução de sódio e aos fabricantes que implementem os parâmetros de referência da OMS para o teor de sódio nos alimentos”, acrescenta.

(Com informações do Jornal da USP e da Organização Pan-Americana da Saúde)

Fonte: CNN Brasil

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